Aniversário - Poesia Combinada
Fernando Pessoa
(Poesia de Álvaro de Campos)
Veio-me aos olhos a primeira luz em setembro de uma primavera. Tentavam apagar as luzes das minhas oitenta velas os meus filhos e netos, mas não conseguiram apagar todas e sim quinze delas, restando outras sessenta e cinco. Meus pais já não estavam comigo, também pudera! Dali a diante conheceria a vida, os desconhecidos e o caminho de meu retorno
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos /Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer
Meu rosto traz as marcas quanto meu corpo suporta o peso da vivência. Olho, ouço, cheiro, saboreio e toco a vida. Olho a vida de meus conhecidos e desconhecidos. Vejo o preço que ainda pagam por estarem vivos! Há sim, minha mulher vive, ouço sua promessa de bater a bengala na minha cabeça. Consigo fazer vento para apagar quinze velas.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida
Nessa primavera luto por dias melhores, combatendo o desconhecido. Ao que me dou valor exerço o comando em pleno terreno inimigo. Venci e perdi contando os dias para a minha feliz morte. Construí a fortaleza interior, dentro estou só como um rei e fora sou soldado de luta. Não estou com meus netos nem com meu pai, mas tenho minha mãe, mulher e filho do meu lado a soprarem mais quinze velas
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino, O que fui ? ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... A que distância!...(Nem o acho...) O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
Tempo da realidade em tempo real, comigo e com os outros. Tempos de muita confusão e auto-afirmação. A luta continua companheiro, ou seja, assim não dá, assim não pode, numa abertura lenta e gradual. Tempos de amigos, de escola, de primeira namorada. Estamos em setembro, não estou com meus netos, filhos e mulher, ora estou com meus pais!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado nas paredes... O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
Como é bom correr e brincar de bola no campinho do carneiro, dormir a qualquer hora, já que neste tempo não tem escolinha infantil, mas mesmo que tivesse prefiro escolher feijão ao lado da minha mãe, que espera a chegada do meu pai que vem de longe para minha última primavera. Sob a mesa a luz de uma única vela que além de iluminar o mesmo rosto era a luz a iluminar o meu retorno
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu pra mim... Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Já não espero mais por primaveras. Não vejo o lume da vela que me revelara a atitude dos homens. Não escuto mais os gritos de socorro da humanidade. Não percebo o odor da violência. Não sinto o gosto da carne morta. Toco na vida com meus Irmãos e meu Pai.
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, O aparador com muitas coisas ? doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado -, As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!... O tempo em festejavam os dias dos meus anos!...
Em itálico. Álvaro de Campos 1929. Uma visão breve sobre a vida do maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa.
Marcelo David Pereira sob a inspiração do poema Aniversário.
Postado por Marcelodavidp
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11.09.2005
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